'No palco da vida, o seu encontro com você' (por Daniel Lélis)
Posted: domingo, 11 de julho de 2010 by Daniel Lélis in Marcadores: artigo daniel lélis, coluna revista jfashion, contoLá fora o vento cinza convida as folhas a dançarem. A noite nublada esconde estrelas sonolentas. O luar é tímido e as ruas silenciosas. Chegou a hora. Você não esperava por aquele momento, mas sabia que ele era inevitável. Quem nunca se deixou seduzir pela aventura arriscada de entender como funciona o teatro da vida? É chegado o momento de você dialogar com verdades indiscretas. A peça vai começar; onde estão as fantasias? Chegou a hora de tirá-las. De repente, milhares de perguntas surgem. Para respondê-las, as máscaras precisam cair. Antes disso, um adeus. O fim então que estava próximo, está aqui. É o fim da inocência. Você se despede. E de repente, no horizonte, um moinho gigante se forma, e vai moendo, uma a uma, muitas de suas ingênuas convicções. Aos poucos a dor de conhecer o mundo te contamina e te leva para longe de si mesmo. Longe, você descobre que nunca esteve tão perto de si.
De repente, as cortinas se abrem. O mundo sem máscaras se apresenta no palco. Mas espera aí, onde estão os personagens desse enredo? Só então você descobre que quem está no palco é você. A plateia inconveniente te assiste. Você caminha pelo palco. Não sabe para onde vai. Mas sente que tem força para não cair. Um sorriso feliz é desenhado em sua face. Nunca foi tão gratificante estar em apuros, você pensa. Seus olhos estão cerrados. Abrindo-os, você percebe que precisa se equilibrar. Há uma tonelada de verdades espalhadas pelo chão. Vê-las te perturba, mas te consola. Um ventinho úmido faz balançar seus cabelos. A plateia permanece calada. Despido de medos, você consegue uma carona rumo a si mesmo. As verdades então começam a te engolir. As cenas seguintes são vergonhosas. As luzes de todo o teatro se acendem e revelam toda a realidade. Por todos os cantos, figura a indecência de tortuosas verdades. A plateia parece surpresa. Seus olhos parecem cansados, mas você enxerga algumas delas. Eis: Ninguém precisa ser bom o suficiente para ter sucesso. Sorte e dinheiro às vezes são ingredientes mais que suficientes; não interessa o quanto você se esforce, alguém sempre irá desconfiar de você; diga o que disser, mas beleza importa sim e muitas vezes é decisiva; por mais que queiramos que seja diferente, para muitos os valores mais importantes são os da conta bancária; acusar o outro é, antes de tudo, defender-se, honrar o altar que você mesmo criou. Rabiscado na sua consciência uma última constatação: o mundo é grande demais para os pequenos.
Você está de pé. Parece vigiar a si mesmo. A plateia suspira ansiosa a espera de um novo ato. Sua aventura pelos palcos, meu chapa, pelo visto ainda não terminou. Conhecer a si próprio entendendo o mundo ao seu redor exige muito mais do que apenas avistar a indecência de certas verdades. É chegada a hora do último ato desta noite. Espera aí, parece que há uma porta num dos cantos do imenso palco. Você tem a impressão de que algo está a batê-la. E realmente está. A redenção faz então a sua visita surpresa. Seus olhos à convida a entrar. É agora. A inocência já em frangalhos então é atropelada de vez. Grandes e incontestáveis valores são jogados para sempre no porão das irrelevâncias. Só então você consegue ver. Está lá. A redenção com elegância te apresentou o esconderijo que você tanto procurava. Você encontrou a saída. A saída é se render e refugiar-se com os sobreviventes, nem que para isso não reste mais nada de você. É o que você faz. As cortinas calmamente se fecham. Lá fora a plateia que nunca dorme sente pena de você, mas parece contente por ver derrubadas todas as máscaras.
Daniel Lélis
Conto publicado originalmente na Revista Jfashion.
Inicialmente, quero dizer que o seu texto é como uma “tapa na cara” de quem o lê. Não de forma agressiva, mas sim, de um jeito em que nos remete a olhar para nós mesmos, o que fizemos e estamos ainda fazendo. O que você escreve realmente é a condição humana! O seu início me fez recordar partes do filme “Os Outros”, onde a névoa criada pela própria visão humana nos permite ver somente o que esta perto e não o que esta longe. O medo vive nos dominando!Os olhos tampados para nós mesmos e quando cai à máscara, vemos o que nunca queremos ver, ou melhor, sabemos que existe, mas nunca queremos aceitar e confrontar. Por isso que o “Teatro da vida” é o palco que o homem desenha, traça e escreve no seu da-a-dia. É nesse palco que nos deparamos com o nosso “eu” em frente ao espelho. Por isso concordo quando você diz “... verdades indiscretas”, por que é dessa forma que nos colocamos diante de tudo na vida, o que nos agrada e nos leva a algo de prazer, de ilusão são beneficiadas pelo nosso modo de encarar as situações, os momentos e as adversidades. Tudo que é escondido, uma hora aparece. Representamo-los! Personagem que chora e rir ao mesmo tempo, personagem que cria e destrói e o mais importante, em alguns momentos da vida, fingimos que somos e não somos e, por isso tentamos viver o que não vivemos e isso, causa frustração. Por isso há tantas inconstâncias emocionais, tantos choros escondidos, tantas tristezas espalhadas como crianças ingênuas, como pés descalços e a mente vazia. Mas triste é o homem que perde toda a sua ingenuidade sobre si, o mundo e ao que acredita. É assim mesmo que somos, olhamos para o que queremos e nunca procuramos verdadeiramente o que queremos, porque deixamos de nos ver. O ser humano gosta da contradição, mas pode ser sadio em alguns aspecto, porque a diferença e a incoerência em alguns momentos são etapas de si próprio para o mundo que nós mesmo criamos. Uma história que os outros não criam e sim nós mesmo no grande “Palco da vida”, onde somos o criador das ilusões, o inventor das coreografias, o criativo para usar as máscaras que usamos de verdade e o perfeccionista de ter na fé um caminho a seguir, mas o caminho para onde? Meu olhar ficou no canto do olho esperando alguma coisa, porque sei que tem alguma coisa que ainda vou descobrir. A inquietação, o despojamento e o cara-a-cara com a platéia pode mudar tudo.
Parabéns!
André